Começo por lhe perguntar que visão geral tem sobre os 30 anos dos cinco países de língua oficial portuguesa?.Esses países são, de muitas maneiras, especiais. Porque em quase todos houve guerra civil depois da independência. Mas há muito para celebrar. Em primeiro lugar, o facto de ter havido independência, porque ninguém gosta de viver sob ocupação. Estes países conseguiram a soberania e mantiveram-na. Em segundo lugar, a celebração da integridade territorial, ou seja, nenhum destes países se partiu ao meio, mesmo que, no caso de Angola, ainda haja um conflito por causa de Cabinda. Mas os países mantiveram-se unidos. Em terceiro lugar, quase todos se tornaram democráticos. Inicialmente, um partido único governava, mas em quase todos há hoje sistemas multipartidários. No entanto, a qualidade de vida não aumentou tanto quanto as pessoas desses países desejariam. Mas isso será um trabalho em progresso e aquilo que temos de fazer agora é encorajar e ajudar esses países a aumentar o desenvolvimento, a lidar com as consequências sociais do conflito e a melhorar as condições de vida das populações..Comecemos por Angola, onde é especial representante do secretário-geral e responsável pela missão das Nações Unidas em 2002/2003. .O país está em paz. Não foi disparado um único tiro desde o cessar--fogo. E agora começa o regresso de todos os angolanos que foram deslocados, e que são milhões. Irá demorar algum tempo até que a UNITA se transforme inteiramente num partido político. O outro desafio é a reconstrução e o desenvolvimento do país. Mas diria que Angola está em paz, unida e anseia pelas eleições. O próximo grande desafio é ter eleições pacíficas, livres e honestas. .Pensa que a sociedade e os políticos estão preparados para levar a cabo eleições em 2006 ?.A sociedade civil quer eleições, a oposição quer eleições. E é bom para os angolanos, para os países vizinhos e para o mundo que haja eleições honestas porque se houver paz, prosperidade e democracia em Angola isso terá um impacto positivo em todos os Estados vizinhos. As pessoas estão muito ansiosas. E a comunidade internacional e as Nações Unidas estão preparadas para ajudar os angolanos a tornar estas eleições reais..Até que ponto os recursos como os diamantes ou o petróleo poderão afectar o desenvolvimento do país?.Penso que os recursos naturais como os diamantes ou o petróleo não são uma maldição, podem ser uma bênção. Depende da forma como se gere esses recursos. Temos países em África, como o Botswana, rico em diamantes e que gere esse recurso de forma apropriada. E a boa governação reflecte-se na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Não há razões para que isso não aconteça também em Angola. Há dois desenvolvimentos positivos primeiro, a iniciativa do Reino Unido de transparência quanto às indústrias de extracção. Quanto é que estas companhias de petróleo pagam ao Governo de Angola? Se houver maior transparência quanto a essa matéria, haverá maior pressão do Governo para haver fiscalização. Muitos progressos foram feitos, mas há muito espaço para melhorar, para a transparência, para lutar contra a corrupção, para que os benefícios do petróleo e dos diamantes possam ser canalizados para as pessoas de Angola..De que forma pode a democracia ser estabelecida e manter-se nos países africanos quando a corrupção é um problema real?.Uma coisa boa é que África reconhece isso. E tem um mecanismo que é um documento assinado por 26 países para promover a boa governação e a responsabilidade na política, na economia e até na forma de lidar com o sector privado. Angola é um desses 26 países que concluíram ser preciso resolver estes problemas para haver desenvolvimento. Os Estados que se alinharam agora são o Gana, Quénia e Maurícias, e estes deverão ser seguidos pela Nigéria e pela África do Sul. Disto resulta que outros países africanos possam perguntar "O que estão a fazer? O que está mal e o que corre bem? Como podemos ajudá-los ?" Isso ajudará a discutir a questão da corrupção..África é também um continente com alguns casos de sucesso. Mas é sobretudo conhecido pela corrupção, pelas doenças ou violência. Porque é que o resto do mundo tem essa imagem dos líderes africanos? A corrupção é maior neste continente ou será mais visível?.É mais visível porque o fosso existente entre os que vivem muito bem e os que não vivem tão bem é maior em África do que em qualquer outro país do mundo. Mas creio que os media tendem a focar mais o lado negativo em África do que em qualquer outra parte do planeta. E é pena que isto aconteça. Porque se se quiser encontrar falhas em qualquer lugar encontra-se. Mas há alguns casos de sucesso em África. Veja-se o Gana, o Botswana? Há eleições periódicas a acontecer e uma transição pacífica de um governo para outro. Desde 2005, cada vez mais países africanos estão a passar de cenários de guerra para a paz. Angola está em paz, há progresso na República Democrática do Congo, Burundi? Estes são verdadeiros casos de sucesso. E no que diz respeito à economia, temos a do Botswana, que está a ser muito bem gerida, a África do Sul, onde, apesar de alguns problemas, a economia está no caminho certo, ou Moçambique, com uma economia em crescimento apesar dos flagelos da seca e das cheias..Angola pode conseguir dinheiro para fazer a tão esperada conferência de doadores?.A conferência de doadores não está a acontecer e isso é negativo. Embora se considere Angola um país potencialmente rico, tem muitos problemas depois de décadas de guerra. Não há recursos financeiros para lidar com a reconstrução. Por isso, a comunidade internacional tem mesmo de os ajudar. Mas para que a comunidade internacional faça isso é preciso provar que o dinheiro que irá empenhar será bem utilizado. E é por isso que a questão da transparência e da corrupção tem de ser discutida. Angola tem de se esforçar por ter instituições como o Banco Mundial ao seu lado para ser ajudada no campo económico, para atrair não só apoios internacionais, mas investimento. Nenhum país consegue desenvolver-se sem investimento estrangeiro..Como podem contribuir as novas parecerias para o desenvolvimento de África?.No passado, África culpava os países colonizadores por todos os seus males. Agora, através do NEPAD, dizem "Os nossos problemas são nossos, enquanto africanos, e as soluções têm de vir de nós. Mas enquanto estivermos no caminho certo, o apoio internacional para África deve vir". Essa ajuda tem crescido, a assistência internacional ao desenvolvimento de África tem aumentado. Isto porque o resto do mundo percebeu que os africanos levam a sério este compromisso. O mecanismo de que falei é muito apoiado em África e no resto do mundo. Os africanos querem ser críticos em relação aos que ainda não encontraram o caminho certo e ajudá-los a ter boas práticas. Outro pilar é a paz, pois estes países perceberam que sem paz não se pode ter desenvolvimento. Ainda que sem um desenvolvimento sustentado também não se possa manter a paz. Prometem ser sérios no que diz respeito à paz em África e através da União Africana. E, através dela, querem estabelecer uma força de prevenção. A UE já doou 400 mil dólares para ajudar a desenvolver esta capacidade..Está a escrever o livro Nações Unidas Num Mundo em Mudança - Uma Perspectiva Africana. Qual é a perspectiva de África sobre o desenvolvimento das novas tecnologias no mundo?.África está particularmente atrás no que diz respeito às tecnologias de informação. Além disso, há agora um novo problema alguns dos melhores cérebros estão a sair por falta de oportunidades. Temos de encontrar uma forma de manter as pessoas qualificadas em África e encorajar aqueles que se foram embora a regressar, trazendo a sua experiência. Por outro lado, os africanos têm de investir mais em ciência e tecnologia. Se olharmos para o orçamento anual, a percentagem destinada a esta área é muito pequena. Os africanos decidiram agora que a parte do orçamento anual destinada à ciência e à tecnologia não deve ser menos de 5%. O que quero dizer com este livro é que o mundo não estará em paz se África não estiver em paz. O mundo não irá manter a prosperidade se África não fizer parte dessa prosperidade. Não pode haver globalização quando quase um terço dos países do mundo está num estado de proeminente depressão. Assim não há globalização. A presença de África no comércio mundial desceu de 4% para menos de 2%. Perante essa percentagem, como podemos falar em globalização? Temos de ajudar os africanos a desenvolver as suas capacidades de produção e exportação. Significa isto que terá de haver mercado de produtos africanos nos países desenvolvidos. É muito importante promover o comércio justo para que todos façam parte dessa globalização. Finalmente, África é o único continente sem um lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU. A democracia é importante dentro dos países, mas também deve ser aplicada nas relações entre países, sobretudo por organizações como as Nações Unidas e instituições financeiras como o Banco Mundial..A procura de novos mercados por parte da China e a corporação desenvolvida por ela parecem ter colocado de novo África na agenda política internacional. Pensa que África, ela própria, é suficiente para integrar o sistema mundial ou é necessária uma espécie de Plano Marshall para arrancar?.África precisa de 50 a 60 mil milhões de dólares todos os anos para atingir os objectivos de Desenvol-vimento do Milénio. A comunidade internacional concordou, há cinco anos, em reduzir o número de pessoas em extrema pobreza em 50% até 2015. África é o único continente que não o vai conseguir cumprir, a menos que haja mudanças grandes a nível da corrupção, de governação, do investimento nas suas pessoas, do controlo do HIV/sida, do investimento na ciência e na tecnologia. Mas, para garantir o sucesso de África, o resto do mundo tem a obrigação de ajudar, sobretudo no plano da assistência oficial ao desenvolvimento, no acesso ao mercado e às trocas comerciais. .Como tem acompanhado a situação na Guiné-Bissau? .Na essência, é potencialmente positiva. Porque houve uma eleição, classificada como livre e justa por todos os que estiveram lá . Houve também tensão - porque não era claro se o senhor Sanhá iria aceitar os resultados. O Presidente de Cabo Verde ajudou muito, o secretariado-geral da ONU enviou o ex- -presidente moçambicano Joaquim Chissano, para ir ajudar. Ou seja, toda a gente está a tentar ajudar, mas, em última análise, está tudo nas mãos da Guiné-Bissau..A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo. Neste cenário político, considera que o desenvolvimento do país é possível?.Se houver progressos, e o país estabilizar, aceitar os resultados das eleições, se houver uma política de inclusão por parte dos vitoriosos, há uma boa hipótese. E a comunidade internacional está pronta para ajudar. Mas só a Guiné-Bissau pode dar as condições para a paz que são necessárias ao desenvolvimento..Segundo o Relatório de Desenvolvi-mento Humano de 2004, Cabo Verde é o país mais desenvolvido entre os PALOP. Alguns quadrantes da sociedade cabo-verdiana e portuguesa pensam que o país vai beneficiar em juntar-se de alguma maneira à União Europeia?.Cabe aos cabo-verdianos decidir sobre isso, claro. Têm de pesar todos os factores e perceber se isso é ou não benéfico para eles. E os europeus têm de concordar. Não se pode entrar assim na Europa, há muitas condições..Tem uma longa carreira nos Assuntos Internacionais, em alguns dos maiores eventos da história recente de África. Quais foram as melhores e as piores experiências?.Comecemos pelas piores o genocídio no Ruanda. Fui membro do Conselho de Segurança, em 1994, e, enquanto membros não parlamentares, gritámos e alertámos para o facto de algo de terrível se estar a passar. Nada foi feito. Fiquei extremamente revoltado por aquilo estar a acontecer e não poder fazer nada como representante de um grande país de África, a Nigéria. Uma experiência dolorosa foi também a resolução contra o meu próprio país, a Nigéria, por violação dos direitos humanos. Fiquei muito triste porque me apercebi de que a Nigéria, que tinha feito uma boa contribuição, foi criticada devido ao seu ambiente doméstico. Afortunadamente, a Nigéria voltou a ser respeitada nos assuntos internacionais. Quanto às experiências positivas, recordo o momento em que a África do Sul se tornou livre e Nelson Mandela foi empossado presidente. Foi uma alegria para mim porque era na altura o presidente da Comissão Especial contra o apartheid da ONU e isso representou um sucesso para nós. Recordo também o momento em que Kofi Annan foi designado secretário-geral, o que representou muito para o continente africano. Diria que esses foram os pontos baixos e os pontos altos do meu percurso associado às Nações Unidas. Mas no secretariado tenho de acrescentar que o facto de ter sido o último representante especial de Angola e ter ajudado a trazer paz foi também uma experiência muito importante para mim.. * Jornalista da RDP África